segunda-feira, 11 de julho de 2011


Além-tédio

Nada me expira já, nada me vive ---
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.

Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.

Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.

Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!

Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.

E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...

Mário de Sá-Carneiro

Não Sinto

Por vezes não sinto.

Não sei se por não querer ou por já nem sofrer.

A árvore que fazia de mim fruto secou.

A cada lufada de vento, os galhos secos aos quais me prendia, desfalecem.

Deixam cair pelo chão as folhas secas que outrora usara para escrever meu fado.

Não existe mais céu.

Esse apagou-se com a imensidão do ser ou querer que levaste contigo.

Rezava eu para que regressasses a vida,

como se disso pudesse eu viver a imensidão daquele sentir dantes sofrido.

Agora não sinto.

E nem sei se esse nobre sentimento quero voltar a evocar.

O comboio partiu, o mundo girou e o relógio regressou ao ponto em que me deixaste.

Agora?

Continuarei a apodrecer junto a ela.

A árvore que me viu nascer e tornar fruto da vida que escolheste tu por mim.